*Isaac Ronaltti
Como havia mencionado anteriormente, estamos passando por um momento em que pouco a pouco está se configurando um diálogo horizontal entre a comunidade e poder do estado, porém, é preciso fazer com que esse processo passe por constantes críticas e autocríticas, até para não rompermos o processo dialético em formação.
Em momento anterior, usei a historinha de Zeus, Prometeu e o Fogo Sagrado para clarear e brincar com a questão exposta. Na historinha, Zeus foi usado como a representação do poder do estado. Porém, agora, trataremos do Estado a partir da configuração que Thomas Hobbes dera para ele - como a de um monstro: o Leviatã.

Em síntese o que quero falar é que o Estado está tendo que dialogar com a comunidade de forma diferente, não porque ele queira, não porque seja um gesto amistoso de uma linda e quixotesca parceria. Não, não se trata disso. O poder estatal está sendo obrigado a dialogar com a comunidade.
Sobram como possíveis resultados duas situações: a sociedade pode assumir o seu papel neste jogo, ou, o Estado pode culpabilizar a sociedade por possíveis fracassos, tendo argumentos suficientes para justificar que a comunidade não é competente para se auto-gerir.
E ainda, usando isso como forma de legitimação para futuras políticas mantidas a partir do “punho de aço”, tendo como lastro e pano de fundo, a idéia de que todas as vezes que o Estado abriu mão de parcelas do seu poder para ser gerido pela comunidade, pela sociedade civil, esta, mostrou-se incompetente para tal.
Trarei a lume um bom exemplo disso: há um tempo atrás, tentou-se implantar na saúde do Estado do Acre, um sistema comunitário de decisão e execução das ações da saúde, inicialmente tudo se processou muito bem, elogios ao novo modelo de gestão... oba oba... a comunidade decidindo, frases que eram costumeiramente vomitadas, sem ao menos saber, o balaio de gato que estava se formando. Pois bem, passados alguns dias, algumas reuniões depois, as ações do conselho comunitário começaram a parar, pessoas faltando a reuniões - geralmente com a justificativa de que tinha passado por problemas pessoais, ou, devido ao emprego, coisas do tipo.
Infelizmente, na saúde, quando as ações estagnam e param, pode ter certeza que os óbitos, os problemas sanitários e as epidemias não seguirão a mesma dinâmica e nem a mesma lógica. Autonomia e apoderamento são fenômenos sociais que exigem responsabilidade individual para com o todo, para com o coletivo.
Gostaria de direcionar a questão mais especificamente aos Espaços de Memória, principalmente devido à maioria destes espaços estarem diretamente ligados a instituições públicas. Creio que este é o exato momento para isso.
Pensar os Espaços de Memória significa pensar a missão e o fim de Centros Culturais, Casas de Memória, Museus, enfim, pensar Espaços de Memória necessita antes de tudo, que façamos um raio-X, identificando para quê servem estes espaços, a quem servem, o que ele passa, e principalmente, qual a relação da memória das populações locais com estes espaços.
Lembro de um artigo que li da Fátima Almeida onde ela comentava a respeito do Museu dos Autonomistas, e identificava, entre outras coisas, o ranço positivista - personalista e enobrecedor da figura de autoridades - nos Espaços de Memória de Rio Branco, em detrimento a Memória de todo povo sofrido que constituiu este Estado: os seringueiros, os índios, nordestinos, árabes, turcos, enfim, tudo isso hoje que entendemos por Acre.
Não estou pregando que a História Positivista não tenha sua importância. Também não estou afirmando que não é interessante a homenagem feita a Guiomard Santos e a todos os líderes autonomistas.
A constituição dos Espaços de Memória requer antes de tudo, antes mesmo da definição de sua missão, um pensar mais aprofundado sobre Teoria da História - não falo isso por ser historiador, também não estou tentando puxar sardinha pro meu lado, até porque, Rio Branco é uma das cidades de maior densidade de números de Historiadores por Km².

Segundo Tamanini e Peixer, “os museus são portadores de heranças elitistas do século passado que o definiram e o elegeram como templo do saber burguês, os museus ainda guardam e preservam formas saudosistas, românticas, e exóticas de narrar à memória social”; estas características foram herdadas devido o surgimento dos museus serem contemporâneos ao auge do Pensamento Positivista na Europa.
Quero fazer um gancho com os debates que realizamos na última oficina no Museu da Borracha: durante a fala de um colega, percebi a preocupação dele em atestar que o Estado em nenhum momento vai abrir mão da dita História Oficial, e foi mais além, dizendo que o Estado não deixaria de usar estes espaços para enobrecer e dar continuidade a cultura personalista de suas autoridades.
Concordo integralmente com o colega, mas faço um adendo, e peço atenção para o seguinte ponto: os Espaços de Memória administrados pelo estado, normalmente que pouco mudarão, com a rara possibilidade de uma mudança forçada pela sociedade civil.
É aí que visiono uma possibilidade interessante, principalmente em relação aos Espaços de Memória idealizados e administrados pela própria sociedade, pois neles, a Memória e a História vem a público explicando o micro, dando visibilidade do micro ao macro, mostrando o José, a Maria, e ainda, possibilitando que a História possa ser contada de vários ângulos, de várias formas, estando teoricamente livre do filtro de informações que é o estado.
Durante a oficina, Ana Jasmina e eu, começamos a pensar hipóteses interessantes a respeito dos Espaços de Memória, por exemplo: muito já se falou, se escreveu e já se comentou a respeito da degradação ambiental causada pelos ditos “paulistas” a partir da década de 70, mas surgem perguntas como: não fariam eles parte de nossa atual sociedade? Os paulistas não possuem memórias, sentimentos e histórias pra contar? O que acontecerá quando um dos muitos sulistas resolverem montar uma Casa de Memória falando a respeito da dificuldade que ele enfrentou ao chegar ao Acre, a dificuldade que ele enfrentou para derrubar a mata e preparar o pasto?
São possibilidades. Não estou justificando, muito menos defendendo ninguém - até porque não sou a favor de propostas de des-envolvimento alucinado como foi visto no Acre, embora Rondônia sofra resultados mais drásticos hoje devido a este processo.
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