Relatório de Gestão CMPC e Fale Conosco

quarta-feira, 14 de maio de 2008

1 - O Fogo Sagrado - Cultura, Poder e a Participação da Comunidade

*Isaac Ronaltti

Na Grécia antiga, pelo menos na época correspondente aos filósofos pré-socráticos – a preocupação que habitava o pensar do homem permeava o controle da Phisis, ou, a natureza. O universo mitológico guiava, dava subsidio e paltava as ações dos seres humanos.

Até o aparecimento de Sócrates, o pensamento grego não contemplara as questões do domínio do homem pelo homem, e até Políbio, a interpretação dos sistemas políticos vislumbrava na mesquinhez da análise de apenas aquilo que estava ao alcance dos olhos, daquilo que estava dentro dos limites das ilhas e montanhas que formavam a Hélodes.

Em tempos remotos, o surgimento do homem era explicado através da passagem mitológica em que Prometeu rouba o fogo sagrado de Zeus e lança dois bonecos de barro no fogo, semelhante à mitologia judaico-cristã em que Deus cria o homem do barro, só que ao invés de lançá-lo no fogo, assopra-lhe as narinas. O fogo sagrado tinha o poder de dar a vida.

Como retaliação, Zeus pune Prometeu fazendo com que ele fique isolado, com o fígado exposto, tendo que suportar dia a dia urubus atacando o seu órgão, e a cada dia tendo que ver seu órgão se recompor, para que, no dia seguinte, aquele ritual cíclico de sofrimento pudesse continuar.

Mas o amigo me perguntaria: que raios a mitologia grega e o fogo sagrado de Zeus têm a ver com o Sistema Municipal de Cultura? Quais são os pontos convergentes entre os temas que justificam todo esse bla bla blá e essa graforréia juvenil?

Explico: encaremos o fogo como “o poder”. Prometeu ao roubar o fogo sagrado, estava na verdade expropriando poder de Zeus e lançando fragmentos e faíscas de poder na mão de coisas, objetos, que a partir então deixam de ser coisas e objetos e passam a ser homens. Pois bem, agora entendamos que o poder público, em todas suas esferas - municipal, estadual e federal - é a representação do próprio Zeus, aquilo que Hobbes nomeou de Leviatã, do qual falarei mais a frente.

Esboça-se, ao momento, a perspectiva de que a comunidade participe diretamente dos caminhos e da gestão das políticas públicas governamentais, em síntese é o poder do estado se assentando à mesa para junto da comunidade definir o que é prioridade, o que é necessidade, o que precisamos, como queremos fazer.

O exemplo, embora grosseiro, contempla fielmente as noções e práticas de apoderamento por parte da sociedade civil. Contudo, devamos reconhecer que a questão é uma via de mão dupla muito perigosa - aí passo a entender os comentários de pessoas ligadas a Fundação Garibaldi Brasil quando falam que o modelo de gestão do sistema municipal de cultura é inovador, mas em alguns momentos sombrio e perigoso - por dois motivos básicos:

1 - o Sistema Municipal de Cultura é uma densa máquina que não pode ser tocada apenas pelos gestores da Fundação Municipal, principalmente porque o combustível principal que move este sistema em construção é a sociedade civil e suas demandas;

2 - o Sistema se torna um objeto morto e imprestável sem a participação da comunidade, se a comunidade não participa, ele pára, não existe, não funciona.

Não funcionando todas as demandas referentes à execução das políticas públicas voltadas para a Cultura no município param - aqui jaz o perigo da não conscientização da comunidade como protagonista deste processo, aqui podemos observar a importância da participação da comunidade como um todo no processo.

Este trecho serve mais como um alerta a todo o corpo do Setor de Patrimônio Cultural, principalmente depois da paupérrima participação dos representantes das câmaras temáticas na última reunião do Fórum Setorial ocorrida na última segunda feira no auditório da Secretaria Estadual de Educação - quando falo “representantes”, estou me dirigindo não ao conselheiro escolhido para representar cada câmara, estou me referindo a cada participante de câmara.

Às vezes a impressão que tenho é que a representatividade política é tão profunda no "ser" do ser humano que, mesmo participando de um processo no qual todos são partes atuantes, onde todos são representantes, as pessoas continuam com aquela idéia do “elegemos o nosso representante, ele representará nossos interesses”. Esqueça!

Não é preciso ser um gênio para perceber que o modelo de gestão a que se propõe o Sistema Municipal de Cultura de nenhuma forma conseguirá funcionar assim.

Chegamos a uma conclusão básica: o “fogo sagrado”, que é a vida, que é o poder, pode tão simplesmente ser identificado neste processo como sendo a participação da comunidade, o apoderamento da sociedade civil em relação à prática e a execução de políticas públicas governamentais.

Fustel de Coulanges em “A Cidade Antiga”, conta que as fatrias - explicação da origem das famílias para os gregos - eram responsáveis por manter uma chama de fogo em cada casa, além das obrigações básicas com os deuses familiares.

Grande parte dos rituais de passagem se processava de frente ao fogo de cada casa - lá a mulher era obrigada a renegar os deuses de sua família (antepassados) e reverenciar, além de assumir os deuses familiares de seu marido, assim se processava o matrimônio entre eles.

A história do matrimônio serve só como ilustração. A questão que deve ser observada novamente é o “fogo”, mas especificamente a obrigação da manutenção da chama acesa, ou seja, o fogo que para nós pode ser traduzido como a participação da comunidade como um todo, deve sempre estar aceso.

Como? Participando, brigando, interpelando, lançando propostas, e se apoderando do que é de cada um por direito - sua parcela de poder subvencionada, por conveniência, ao monopólio de poder que caracteriza o Estado. Não se trata de proposta anárquica ou revolucionária, muito menos de destruição das instituições que representam o Estado.

Trata-se, tão somente, de uma nova forma de diálogo entre o poder público e a comunidade. Aliás, é a configuração de um diálogo entre a comunidade e o Estado. É a negação de uma representação política solta, não fiscalizada, de cima para baixo.

É a transferência de postos, onde a população deixa de ser apenas o objeto das políticas públicas e passa a ser a responsável pela construção, acompanhamento e execução destas mesmas políticas públicas - por enquanto, a experiência é testada especificamente na Cultura do município. Todos somos responsáveis, pelo sucesso ou pelo fracasso do que está sendo criado e implementado. Por isso, participe!

*Cadastrado na área de Patrimônio Cultural. A segunda parte do texto, será publicada na próxima semana.

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