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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Crônica de uma Feira do Sebo*



Caminhou em passos rápidos, como todo rapaz de sua idade, pelo Centro de Rio Branco. Não estava atrasado, mas caminhava com velocidade mesmo assim. Talvez por causa do sol quente, que com a chegada do final de tarde, começava a diminuir. Era pouco mais de dezessete horas (dezesseis no horário antigo) quando atravessou a Praça dos Povos da Floresta e se surpreendeu com uma estrutura montada no local. Uma enorme mesa cheia de livros antigos habitava o espaço que deveria ser apenas um caminho para o seu destino: o outro lado do rio. Curioso, descobriu que tratava-se da Feira do Sebo, um evento pequeno realizado durante o verão acreano desde 2005 pela Fundação Municipal Garibaldi Brasil.

Lembrou de já ter ouvido falar antes daquele evento, que acontecia sempre no Mercado Velho. Descobriu, em algumas rápidas conversas, que temporariamente a feira acontecia no praça famosa pela estatua de Chico Mendes, mas que voltaria ao seu local de origem com o início de um outro evento, "Cultura no Mercado", que provavelmente começaria a funcionar em agosto.

Não demorou a perceber que a Feira do Sebo tinha algumas particularidades. Algumas pessoas já eram conhecidas pela organização, e freqüentavam o evento todo final de semana durante o verão comprando vários livros a cada visita. Entre eles estava um senhor, que poucos ali sabiam o nome, mas muitos sabiam a profissão: era professor. Não teve coragem de perguntar-lhe o nome, não queria tirá-lo de seu ritual onde escolhia pacientemente por mais de trinta minutos os livros que mais lhe agradecem para depois sentar-se em uma das mesas de jogos e lê-los pacientemente por quase uma hora. Da mesma forma, percebeu que ajeitava os óculos de grossas armações marrons no rosto de tempo em tempos e, ao terminar, colocava os livros em baixo do braço para finalmente pagar por eles. O valor desta vez deu 50 reais. Eram quase vinte volumes de livros e revistas. Observou o senhor contar e recontar de forma metódica o valor, verificando se a moça que lhe atendia anotava tudo corretamente. Pagou e em passos lentos foi embora. “Lá se vai um dos nossos melhores compradores” ouviu alguém comentar.

Percebeu que outras pessoas estavam ali, assim como ele, apenas de passagem. Mas ao notar a montagem daquele pequeno espetáculo literário, se é que poderia ser chamado assim, decidiram aproveitar o momento para vasculhar os livros ali encontrados. Em meio há diversos volumes podiam encontrar antigas enciclopédias, livros de direitos, suplementos de inglês, teorias de física, publicações jornalísticas, alguns achados da literatura brasileira e alguns esquecidos da literatura acreana. Observou que algumas pessoas ficam felizes ao encontrarem na Feira do Sebo, revistas antigas que colecionavam e não eram mais vendidas. “Eu lembro de comprar quando era mais novo”. Outros se surpreendiam com a data em algumas publicações “eu nem tinha nascido quando essa aqui havia sido lançada” ouviu uma moça de vinte e poucos anos comentar impressionada com sua juventude, ou com a antiguidade do que encontrava ali, dependendo do olhar. Outras se entristeciam ao perceber que na coleção de livros que pretendiam comprar faltava uma edição, provavelmente levada por um comprador que passou por ali antes.

Não pode deixar de ouviu uma moça que trabalhava na feira comentar como sua sobrinha de apenas cinco anos gostava do espaço de leitura disponível no local, freqüentando-o desde os três anos de idade. Contava orgulhosa aos colegas de trabalho como no começo a pequena não parava, correndo para todos os lados como faz toda criança. Mas aos poucos sua atenção se voltou aos livros. Sorriu, olhando para a menina e imaginando-a como o senhor que encontrara na Feira: uma idosa de passos lentos comprando diversos livros e revistas escrita há tantos anos antes dela nascer.

*Texto publicado originalmente na coluna "Cultura RB" no jornal Página 20

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